Você sabe dizer não? É mais fácil que imagina
Vocês podem achar estranho esse questionamento. Aprendemos e dizemos não diariamente e várias vezes. Mas a resposta à pergunta “Você sabe dizer não?” é negativa em situações que ela precisaria ser mais frequente. Ou seja, você diz menos “NÃOS” que gostaria. E provavelmente fica chateado com você mesmo mais vezes do que gostaria por ter essa atitude. Deixa eu levantar algumas situações pra que possamos analisar juntos.
Pense naquele dia que você planejou uma série de coisas, tal como finalmente assistir aquele episódio da série do NETFLIX que gosta. Ou organizar uma papelada que faz tempo que te incomoda na sua gaveta. Ou ainda programou sair pra fazer umas compras que está precisando ou que quer simplesmente não fazer nada. Afinal de contas você tem se esforçado e merece um descanso.
Aí, alguém que você gosta e considera te convida pra fazer algo legal (isso no melhor caso). E agora? Ou conta um problema pra você querendo, claro, que você o resolva pra ele (…). Você consegue dizer NÃO tranquilamente? Consegue dizer que tem outro compromisso (um desses que falamos no parágrafo anterior)?
Eu tenho a impressão que muita gente já passou por isso e começa a pensar no “risco” de ter lidar com a reação do outro. Consegue imaginar você dizer não a alguém pra esse tipo de situação e a pessoa simplesmente dizer: “Tá legal, outra hora a gente conversa”?
Outro caso, você está no seu trabalho, cheio de projetos com prazos apertados e seu colega pede um favor que você sabe que vai tomar teu tempo. Nessa hora, você olha a cara de preocupação dele, que vai do desespero ao choro. O que você faz?
Ainda, alguém que você gosta, respeita, mas quem tem um histórico complicado em finanças, pede dinheiro emprestado. E, para complicar, o dinheiro que até agora você vem juntando é para aquela viagem dos sonhos. E aí?
AJUDO E ME FERRO OU NÃO AJUDO E CRIO UM PROBLEMA?
Dava pra ficar falando sobre exemplos por muito tempo, mas o ponto principal ficou claro: apesar de lógico, dizer NÃO nesses casos pode gerar uma frustração em quem pede e como ele vai lidar conosco. Sendo nossa expectativa negativa, não vai ser uma boa experiência, provavelmente. Você não quer isso. E agora?
É muito difícil lidar com a ideia de magoar alguém que gostamos. Normalmente, mesmo que não seja lógico, começamos a fazer acusações a nós mesmos. Nessa hora começam a aparecer os pensamentos sobre o que pode acontecer no futuro se não ajudarmos aquela pessoa.
Pensamentos como “que tipo de trauma eu vou causar nessa pessoa”. Ou “ela nunca mais vai querer falar comigo” acontecem automaticamente. Pela minha experiência, isso acontece tão rápido que nem sempre percebemos. E normalmente vem do nada e dificilmente tem uma base real, baseada na experiência da pessoa sobre a reação do outro ou sobre sua capacidade de lidar com isso.
Eu carinhosamente chamo essa tendência de Síndrome de Mãe Dinah. Essa tendência a querer adivinhar o futuro vem forte, mas não é realidade. . Ninguém que eu conheça consegue. Se você não conhece a Mãe Dinah, dá uma olhadinha aqui na Wikipedia. Até ela errou muito.
QUEM FICA CHATEADO MESMO?
O que você faz com isso? Interessante é que, se temos algum motivo pra dizer não, é porque o que iríamos fazer no lugar era importante pra nós. Ou seja, será que você percebeu que você só troca quem fica magoado? Ou quem te pediu ou você.
Como não ficar com sentimentos contraditórios nessa hora? Raiva, pena e uma sensação de não saber o que fazer. Aliás, não sei você, mas eu acho que nossa sociedade nos fornece uma pós-graduação em sermos maus com nós mesmos.
Supondo que você abra mão de você mesmo (DE NOVO): o que espera? RECONHECIMENTO, pelo menos. Porém, como você fica quando abre mão do que quer e o outro não reconhece? Você demonstra sua chateação? Pior, e se a pessoa assim mesmo acha que você não fez mais do que sua obrigação e quer te convencer que sua melhor opção era fazer o que ela queria? Como não ficar puto (a) da cara?
Bom, você já passou por um dilema que te deixou estressado mas decidiu abrir mão de si. Nessa hora vem esse novo dilema : “Falo o que estou pensando e novamente corro o risco de magoar essa pessoa ou fico calado e finjo que concordo? Afinal, o que menos preciso é conflito”.
NÃO VOU FALAR NADA – EU NÃO QUERO ME INCOMODAR
Esses dilemas se repetem tanto e em tão variados momentos que é comum criarmos um método, uma forma repetida de agir. A mais comum que eu escuto quando converso com as pessoas é a pior delas: “vou fazer pra não me incomodar”.
HEIN? COMO ASSIM?
Tirando o fato que talvez a atividade ou a tarefa que você fez pelo outro possa te dar alguma satisfação, você vai se sentir incomodado sim, por pelo menos duas razões:
Você acabou fazendo algo que não queria;
Você não fez o que planejou pra você e terá que lidar com a espera até que possa fazê-lo de novo, principalmente no caso financeiro.
Claro que ajudar os outros traz bons sentimentos. É uma satisfação ser útil para as pessoas. Vemos muita gente sendo voluntário para trabalhos muito complicados e não se sentem incomodados com isso. Mas não é isso que estamos falando. Se no primeiro caso é uma escolha, no segundo é algo de outra natureza, é quase uma obrigação imposta de forma velada. Imposta porque se você não pode dizer não, se chatear é a única opção.
EU ME INCOMODO PARA NÃO ME INCOMODAR
Essa cara de estranheza da menina da foto e da sua são justificadas. Quando você fala ou pensa a frase “VOU FAZER PARA NÃO ME INCOMODAR”, salvo um grande engano, você já está se incomodando. Ou você acha que não? Vamos pensar a respeito. Quando você se incomoda para não se incomodar (até a sonoridade dessa frase é esquisita), espera que seja:
- Temporário – o intervalo de tempo seja pequeno;
- Único – essa pessoa vai perceber o trabalho que te deu e não irá pedir de novo;
- Curto – o mínimo dispêndio de tempo possível;
- Minimamente bom para compensar abrir mão do seu conforto pelo outro.
Quando essas condições estão presentes, seu desconforto pode ser menor. Mas, se não, seu estresse vai aumentando e, dependendo da sua paciência, vários sentimentos contraditórios e intensos continuam a acontecer. Nessa hora, você se pergunta: “o que é que estou fazendo aqui?” ou “Por que aceitei essa furada”.
A PIOR LUTA É CONSIGO MESMO
Fico imaginando a luta, o quanto fica brigando com você mesmo pra não falar o que está pensando. E vai acumulando irritação.
Claro que a pessoa não sabe que você está com esse conflito interno, você consegue disfarçar bem, até certo ponto. E, se por algum motivo não explicado, ela te pergunta a respeito do que ela te “obrigou” a fazer? Novamente, falar a verdade, que só está ali por ela, que é um sacrifício, é impossível. Provavelmente vai ficando novamente preocupado em magoar a pessoa. E o ciclo se repete. E vai complicando.
A cereja do bolo é quando, já que você não conseguiu dizer que se incomoda, essa pessoa sugere, então, que seria uma boa fazê-lo de novo ou que é muito bom poder contar contigo. Isso significa o que mesmo? QUE ELA VAI FAZER DE NOVO VOCÊ PASSAR POR ISSO SEM SABER A GUERRA INTERNA QUE VOCÊ ESTÁ PASSANDO!!
COMO SAIR DESSA ARMADILHA
Com as reflexões que propus até agora, é impossível que em algum momento você não exploda. É importante aceitar o fato que ao se colocar em segundo plano por temer a reação do outro, você não está sendo honesto nem com você e nem com a pessoa que o “atrapalhou”.
Agindo dessa forma, ainda que supostamente possa parecer que é a única solução, o incômodo é inevitável – e até a explosão emocional, dependendo do nível de estresse que for gerado. A boa notícia é que talvez você se incomode menos do que imagina caso diga à pessoa quando não quiser ou não puder fazer algo pra ela.
Como assim? Você está dizendo que eu estou criando um problema ao não dizer NÃO? Sim, está. É justamente o que venho dizendo ao longo de todo o texto. A sua decisão se baseia em uma interpretação da realidade que quer evitar problemas que acontecerão, na sua cabeça, com 100% de certeza. E, além disso, se esse incômodo acontecer, você não saberá lidar com ele.
Também estou dizendo que sua interpretação da situação está colocando você em uma armadilha. É sua responsabilidade. Por mais que alguém possa ficar chateado com a sua negativa (e sei o quanto isso é normal), essa chateação não se compara com o nível de estresse que você vem impondo sobre você mesmo ao longo da sua vida, evitando saber o que acontecerá se fizer o que quer.
“VOCÊ SABE DIZER NÃO” PODE NÃO SER UMA PERGUNTA TÃO ABSURDA ENTÃO?
Sim, provavelmente você faz isso mais vezes do que gostaria, com mais pessoas que percebe. Isso é tão normal quanto respirar, mas pode ser mudado.
Vamos começar analisando o “incômodo” que você quer evitar. Será que esse incômodo é pior do que a culpa que você vai sentir se disser não? Você diz pra si mesmo que se disser NÃO àquela pessoa vai magoá-la e isso vai gerar todo um problema que você quer evitar, certo? Pode ser que você tenha razão, não posso dizer que isso não acontecerá. Apesar disso, faça a si mesmo as seguintes perguntas, a fim de tentar perceber claramente se essa é a realidade ou é uma criação mental:
- Alguma vez você já disse não a essa pessoa e se incomodou?
- Caso já tenha se incomodado, qual foi a reação? O que realmente aconteceu? Ela ficou insistindo pra vc fazer o que ela queria? Ela ignorou os seus motivos para não querer fazer NAQUELE MOMENTO, por exemplo, aquele programa?
- Existe alguma chance de você “aceitar” na marra o que ela quer AGORA e não se incomodar de novo todas as outras vezes? Afinal você está, sem querer, dizendo que se ela insistir um pouco mais, você fará o que ela quer.
- Como você pensa que vai ficar, ao longo do tempo, sendo obrigado(a) a fazer o que não quer? Como você acha que essa insatisfação vai sair, como você vai demonstrá-la quando não aguentar mais?
Existem muitas outras perguntas que podem ajudar a esclarecer a situação, mas acredito que estas já ajudam a fazer uma reflexão mais prática a respeito.
TORNANDO OBJETIVA UMA QUESTÃO SUBJETIVA
Pra exemplificar, vamos responder à primeira pergunta da sessão anterior, dividindo-a em duas:
Alguma vez você já disse NÃO
e se incomodou?
Quando essa pergunta é feita, a resposta precisa ser levada em consideração seriamente. São 2 perguntas juntas que se complementam na análise do que você está pensando. Se a resposta para a primeira pergunta for não, então você não sabe se a resposta da outra pessoa será tão terrível quanto imagina. Aparentemente você está tentando evitar algo que pode acontecer, baseando-se em algo que não tem a ver com a outra pessoa, tem a ver com você.
Caso você já tenha dito não e não tenha se incomodado, mas acredita que isso pode acontecer em alguns casos, a situação é pior ainda que a anterior. Sua expectativa do pior te faz tomar decisões pra evitar até mesmo situações que não tem contato com sua própria realidade. É uma prisão de evitar problemas que acaba trazendo mais problemas, como vimos.
Por último, se você já disse NÃO e se incomodou, analise quanto tempo tem isso, como você era nessa época, quem era a pessoa na época, ou seja, veja se você não está preso(a) a um passado que não faz mais sentido.
Importante lembrar que nós evoluímos, mudamos, mesmo que não queiramos. O contexto pode ser outro e, de certa forma, ao agir desse jeito preventivo, você continua preso no passado, em uma pessoa que você não é mais. Será que a pessoa que você é hoje não é capaz de lidar com a “manha” de uma pessoa que não aceita não como resposta?
O pensamento pode nos aprisionar de formas que não imaginamos a uma realidade que não é a atual. E, nesse caso, a consequência imaginada não está na pessoa, está em outro lugar. Já pensou quanto estresse você pode economizar se essa pessoa entender aquele seu momento? Ela pode simplesmente dizer, “tá legal, fica pra próxima então”. O que faz você achar que essa pessoa vai ignorar seus argumentos e sua vontade de fazer algo diferente?
A MENTE FAZ PARECER REAL
O ponto chave nessa análise é o quanto você se prepara para um problema sem saber se ele acontecerá. Associado a isso, o quanto essa preparação, ao longo do tempo, gera um desgaste emocional que aumenta ainda mais seu estresse,. Hoje em dia sabemos o que o estresse contínuo causa. As doenças oportunistas aparecem, tal como depressão, ansiedade, evitação de lidar com pessoas, entre outros.
Em outros posts eu pretendo explorar mais essa nossa tendência a se proteger de algo que ainda não aconteceu e que até pode não acontecer. Para o efeito deste artigo, é importante questionar o custo benefício de criar um estresse tão grande pra evitar outro que não se sabe se vai acontecer.
Será que para não se incomodar você precisa correr esse “risco” de se incomodar? Boas surpresas vem quando testamos nossas regras a respeito das pessoas.
Uma vez que você demonstra para quem você respeita e ama o que sente, abre espaço para que ela possa demonstrar a aceitação de suas impossibilidades. Sejam elas quais forem. Claro que algumas vezes vamos precisar fazer o que não queremos. isso é inevitável vivendo em sociedade. Mas isso não pode se tornar a regra, já que, ao longo do tempo, pode gerar muitos conflitos e, consequentemente, sofrimento para todas as pessoas, mesmo que se gostem muito.
Dizer não para alguém que amamos, quando temos certeza que é justo, é um ato de amor por si e pelo outro. Dar e receber limites ensina a lidar com o mundo e suas frustrações.
E se você gostou desse artigo, comente, compartilhe. Responderei a todas as perguntas e comentários. Vamos enriquecer essa discussão que não se encerra nessa reflexão.
Excelente semana.