Suicídio: a luta pela vida quando se perde a esperança
Fala aí pessoal, tudo bem? O tema hoje é difícil, mas necessário de ser falado. Fui convidado a dar uma palestra para pessoas a respeito do Suicídio, a luta pela vida quando se perde a esperança. O intuito dos organizadores é aumentar o contato dessas pessoas com as informações sobre esse problema tão comum nos dias de hoje e tão assustador ao mesmo tempo.
Então, vamos lá. Uma situação paralela, que pode também contribuir para a piora de quem tem tendência a ter comportamentos suicidas, é ser estigmatizado como tal.
O ESTIGMA DE SER “O SUICIDA”
Quando alguém coloca um rótulo em você, acaba gerando outros problemas além do que vc já tem. Quando eu tenho um rótulo na minha testa, todas as pessoas vão lidar com o rótulo, não com a pessoa que ali está. E nada mais verdadeiro quando se trata de estigamatizar alguém como SUICIDA.
O que acaba acontecendo? As pessoas acabam se comportando de maneira não autêntica com a pessoa, “cheias de dedos”. Inevitavelmente isso será interpretado pelo suicida como mentira. A consequência é um afastamento ainda maior das pessoas ao redor. E essa interpretação pode gerar esse afastamento inclusive de pessoas que tencionam ajudar.
Além disso, quando o estigma de SUICIDA se espalha, o círculo social da pessoa começa a se estreitar, também porque muitas pessoas não querem ficar perto de alguém com essa tendência. Isso pode acontecer por diversos motivos, entre eles o preconceito e o medo de lidar com alguém assim e até de ser “contaminado” por esse tipo de pensamento.
Qualquer que seja o motivo desses afastamentos, eles acabam sendo extremamente prejudiciais para a pessoa que sofre. Ela vê que aquilo que ela pensa (ainda que seja uma distorção criada por ela mesma) acaba por ser comprovado pelo afastamento das pessoas.
É importante tentar lidar com a possibilidade de auto-destruição daquela pessoa, principalmente se for um ente querido. Fugir é a pior solução nesse caso. Esteja próximo, disposto a escutar. E se não conseguir não acrescentar nada, continue próximo. Esteja pronto a escutar aquela pessoa, por mais difícil que isso possa parecer.
A escuta especializada do psicólogo pode ajudar muito. Mas a escuta de quem está próximo, no dia a dia, é de suma importância no processo. Inclusive, dentro do processo, é necessário que toda a família e pessoas próximas estejam participando do processo. Aumenta muito a possibilidade de melhora clínica da pessoa.
É preciso uma consistência muito grande e muito suporte para lidar com o principal fator que leva uma pessoa a querer tirar sua própria vida.
A GRANDE VILÃ, A DESESPERANÇA
O que move nossa vida, em grande medida, é a nossa esperança no futuro, nosso desejo de melhorar, nossa fé em nossa capacidade de construir o nosso mundo. Ao longo da vida vamos tendo vitórias e derrotas que vão nos moldando e nossa flexibilidade em construir um mundo faz com que tenhamos várias formas de lidar com os problemas que vão acontecendo.
Quanto mais vitórias, maior confiança. Mesmo que percamos às vezes.
No caso da pessoa propensa a cometer o suicídio, é justamente a falta dessa esperança o maior problema. Ele passa a desacreditar que há solução para seus problemas e começa a ver a morte como a única saída.
Martin Seligman, um dos grandes psicólogos criadores da Psicologia Positiva, fala sobre um fenômeno relacionado chamado DESAMPARO APRENDIDO. Ao longo da vida, caso você tenha passado por muitas dificuldades e tenha tido muitas decepções, suas tentativas de fazer algo por si mesmo e pela família tenham sistematicamente dado errado, muitas pessoas acabam desenvolvendo a SENSAÇÃO, a percepção que é impossível mudar as coisas.
Para demonstrar isso, Seligman fez um experimento em cães. Ele separou 3 grupos de cães e fez dois experimentos, tendo como base a hipótese do Desamparo Aprendido. O primeiro experimento foi executado da seguinte maneira:
1o grupo – Dentro de uma jaula, apenas, sem choques;
2o grupo – Dentro da mesma jaula, começam a tomar choques, mas se acionarem uma alavanca os choques param;
3o grupo – Mesma jaula, mas não há nada que possam fazer para fazer cessar os choques.
Claro que isso foi feito por tempo suficiente para que houvesse um condicionamento dos animais.
O segundo experimento ele coloca os cães e uma jaula dividida, em que facilmente você pode passar para o outro lado da jaula. Em uma das jaulas eles recebem choque mas, se pularem para o outro lado, não terão choque. O que acontece ?
Os dois primeiros grupos, o que não levou choque e o que levou e resolveu o problema, rapidamente foram para o outro lado, evitando os choques.
O terceiro grupo ficou inerte, dentro da jaula, tomando os choques. Eles “assumiram” que não haveria o que fazer.
A constatação é óbvia: Será que é difícil pensar que podemos agir assim, como os cães, se passarmos por uma vida cheia de restrições, derrotas e perdas constantes? Se nossas tentativas derem mais errado do que certo?
Um exemplo em humanos, que não é difícil de se ver no dia a dia, é quando você observa aquela pessoa que passa a vida inteira tentando emagrecer. Emagrece um pouco, volta a engordar, toma medicação, muitas vezes sem orientação médica adequada, emagrece, mas não dura e engorda novamente. É muito comum essa pessoa começar a pensar que não conseguirá emagrecer nunca mais. E passa a agir acreditando nisso. E desiste, piorando ainda mais seu problema de peso.
Inevitavelmente essa pessoa (e tantas outras) irá viver uma vida restrita e com pouca confiança em sua capacidade de mudar seu problema. Essa perda de confiança, felizmente, acontece em situações específicas. Mas quando acontece de forma generalizada pode gerar distorções cognitivas muito mais incapacitantes.
DISTORÇÕES COGNITIVAS DETERMINAM NOSSA FORMA DE LIDAR COM O MUNDO
Apesar de ser praticamente óbvio que isso pode acontecer com qualquer pessoa, é comum que alguns de nós tenham passados por situações muito mais doloridas, do ponto de vista emocional e tenham desenvolvido algumas dificuldades específicas de interpretação. Sob um ponto de vista, ainda que nos vejamos bons em algumas coisas, em outras criamos distorções que determinam nossas decisões.
No caso de uma pessoas que considera o suicídio uma saída, essas distorções são muito mais generalizadas. Elas começam a achar que NADA dará certo. Que não há como lidar com isso, que não adianta, assim comos os cachorros do terceiro grupo no experimento de Seligman.
Em consultório, quando vc pergunta a elas a respeito do que fizeram e faz propostas de reflexão, SEMPRE dizem que já tentaram, praticamente tudo o que é sugerido. Quando vamos analisar a fundo as tentativas, normalmente percebemos o quanto as distorções se expandem inclusive para situações que nãõ fazem sentido.
Muitas das tentativas que já foram feitas foram feitas de forma desorganizada, errática, perdida, muitas vezes de forma agressiva ou passivo-agressiva (e nesse caso acham que o outro sabe que estamos fazendo e não fazem nada por conta de não nos valorizarem), o que de maneira nenhuma determina o futuro da pessoa. Mas ela acredita que o jeito que tentou é o único possível.
Aliás, muitas vezes, querem nos convencer que se não for do jeito delas está errado.
Claro que essa rigidez é problemática. Mas é possível trabalhá-la.
Mas há aquela situação que acaba sendo mais problemática no longo prazo: as pessoas começam a achar que a pessoa não vai se matar de verdade, que está apenas tentando manipulá-las. E isso é um problema gravíssimo.
QUEM FALA QUE VAI SE MATAR ESTÁ APENAS MANIPULANDO??!!
Essa parte do assunto é muito importante, já que muitas pessoas ficam dizendo e pensando que a pessoa que fala que vai se matar pode estar apenas manipulando e que nunca iria fazê-lo. Não pense assim. Quem é suicida pensa em se matar, mesmo que não esteja necessariamente querendo fazê-lo. Ele sinceramente vê a morte como a única SOLUÇÃO para tamanho desespero em sua vida.
Quem pensa dessa forma pode fazer uma tentativa de suicídio. E não interessa muito se sua intenção é chamar a atenção ou até mesmo manipular as pessoas. A tentativa pode gerar uma morte, mesmo que a pessoa não queira. Vale a pena correr esse risco?
Existem dois tipos de pessoas com tendências suicidas:
1 – As pessoas que perderam completamente a esperança e que veem a morte como a única saída e, principalmente, querem morrer;
2 – As pessoas que também perderam a esperança, vêem a morte como única solução no momento, mas não querem morrer.
As duas veem a morte como solução, mas a do tipo 1 desenvolve um “vínculo” com a morte, aceitando sua presença e querendo efetivamente finalizar sua existência; o segundo tipo, que não quer morrer, gostaria de poder fazer algo e encerrar seu desespero, mas não consegue ver como, “apenas” flertando com a morte.
Os dois casos são gravíssimos. A única diferença é que, diante de um processo terapêutico, as do segundo tipo tendem a ter um prognóstico, um desenvolvimento, uma possibilidade de sucesso, de conseguir se sentir mais segura e capaz do que a do primeiro tipo.
Mas como isso deve ser feito?
AJUDANDO A FLORESCER A VIDA DENTRO DA PESSOA
A terapia precisas ser adaptada para os dois casos. No primeiro caso, mais grave, costumamos usar a a expressão de um autor chamado Alves (1998) que é a morte vindo de dentro. Para lidar com esse tipo tão dolorido, tão firmemente arraigado dentro da pessoa, precisamos ser capazes de ajudá-lo a descobrir como cultivar a vida dentro dele.
Para isso, precisamos falar a respeito da morte. Entendê-la. Compreender porque ela se tornou tão sedutora, para que possamos mostrar para essa pessoa a possibilidade de viver uma vida plena se ela conseguir fazer florescer o valor de sua própria vida.
Claro que precisamos torcer para que nosso intento seja possível. Nem sempre conseguiremos fazer florescer a vida nos dois casos. Mas precisamos servir de modelo de fé, de esperança, nessa possibilidade.
Para os dois tipos.
A terapia comportamental e cognitivo comportamental tem muito a oferecer para as pessoas em seu caminho rumo à melhora. Com o avançar do trabalho, vamos analisando possibilidades, entendendo as distorções cognitivas e comportamentais, aproveitamos o melhor da pessoa e aumentamos a sensação de sucesso.
A vida começa a florescer.
Mas isso é papo para outro artigo.
Valeu!!!